Curiosidade
Como a inteligência artificial pode impactar a música
A ascensão dos covers e artes produzidos por IA está gerando debates sobre direitos autorais, compensação e autenticidade na indústria musical
Imagina ouvir o vocalista de uma das maiores sensações do rock, Freddie Mercury, cantando “Evidências”, de Chitãozinho e Xororó. Parece impossível, não é?! Porém, com a infinidade de covers produzidos por Inteligência Artificial (IA), você pode ter acesso a esse conteúdo inimaginável.
Ou a imagem de Katy Perry no MET Gala deste ano, montada por IA, que viralizou nas redes sociais…
Mas será que é realmente tão simples e divertido quanto parece?
Neste artigo, o Portal Yolo traz à tona um debate importante sobre as diversas e intermináveis implicações da utilização da IA na música e na arte em geral.
Desde 2022, com o crescimento de plataformas de inteligência artificial, como o ChatGPT, esse tipo de tecnologia vem sendo testado, explorado e utilizado por muitas pessoas, com objetivos diversos. Desde trabalhos de faculdade até a criação de imagens, como capas de singles da Nicki Minaj, e covers inusitados. Porém, a alimentação de plataformas de IA com conteúdos reais é uma polêmica e, já em 2024, está gerando efeitos perigosos. Especificamente no campo da música.
No começo de 2023, alguns criadores de conteúdo do Youtube e Tiktok produziram covers feitos com inteligência artificial que viralizaram nas redes sociais. Um dos primeiros casos virais foi a colaboração das versões IA de Drake e The Weeknd com a música “Heart On My Sleeve”. Essa e outras versões fake de Drake foram retiradas do Youtube pela Universal Music (UMG), com a alegação de infringir leis de direitos autorais.
Mas aí vem a dúvida: se uma produção que não usou as obras originais (diretamente) pode ser retirada por esse motivo, a UMG possui é “dona” da voz de Drake e outros artistas?
Esses exemplos trazem muitos questionamentos, que passam pela criação, produção, distribuição e compensação proveniente desses conteúdos. Por mais que algumas pessoas utilizem ferramentas como o ElevenLabs AI para se divertir criando versões de colaborações entre rivais políticos ou para trazer de volta um membro para um grupo de kpop, as implicações das produções de IA podem ser catastróficas.
Obviamente, não existe volta. A tecnologia segue para frente, nunca voltando para trás. Porém é inegável que, quando o assunto é arte, a inteligência artificial não alcança os sentimentos humanos. Uma das preocupações é que, ao invés de ajudar os artistas a produzirem arte, a IA seja utilizada para roubar o espaço das pessoas nesse processo.
Se a UMG é “dona” da voz e da arte de seus artistas, o que a impede de ignorar as pessoas que deram vida àqueles conteúdos e simplesmente utilizar a inteligência artificial para fazer música sem nunca compensar propriamente cantores, produtores, instrumentistas e compositores?
Alguns artistas já falaram abertamente sobre essa preocupação. Taylor Swift, em entrevista à uma rádio americana, expressou que as gravadoras ainda não encontraram uma forma de compensação válida. Se uma das cantoras e compositoras mais conhecidas das últimas décadas (e remuneradas) está preocupada, talvez todos deveriam.
Grimes também falou sobre a questão financeira da questão, dizendo que podem usar sua voz em produções IA, desde que ela receba 50% dos lucros. Mas como escanear toda a internet o tempo todo para encontrar onde sua voz está sendo usada?
Além do financeiro
Até o momento, muitas das preocupações levantadas por gravadores, distribuidoras e até mesmo artistas são questões financeiras e de direitos artísticos. Entretanto, a arte vai além disso, sendo utilizada como uma forma única de expressar sentimentos, impressões sobre o mundo, momentos históricos e visões individuais de situações pessoais. Como um algoritmo alimentado apenas dos resultados de todo um processo pode apresentar as mesmas sensações?
Alguns dos produtores de conteúdo IA utilizam a tecnologia para demonstrar como seria uma música totalmente nova ou um cover de um artista falecido. John Lennon, Kurt Cobain e Freddie Mercury são apenas alguns exemplos desse tipo de conteúdo. Mas até que ponto vale a pena tentar “recriar” a vitalidade de ícones da música?
Até o momento, a tecnologia atual da inteligência artificial não consegue replicar estilos específicos de técnica vocal. Por exemplo, o cover citado no ínicio do texto, que mostra como seria uma versão de “Evidências” cantada por Freddie Mercury IA, apenas substitui superficialmente um vocal pelo outro, ignorando o estilo do vocalista do Queen e deixando de fora suas especificidades, coisas que apenas o artista poderia criar.
Então, por mais que a nostalgia de poder ouvir “John Lennon” cantando uma música que ainda não existia quando ele estava vivo fale mais alto? A versão AI nunca chegará perto do que seria a realidade. E para piorar, estamos usando a tecnologia para explorar uma voz que não pode mais se defender.
Mas os artistas têm voz o suficiente para evitar os impactos?
Nesse exato momento, a Universal Music Group, que representa muitos artistas do pop americano e coreano, está retirando todas as músicas de seus artistas da base de dados do Tiktok. A justificativa é que a rede social não está pagando os artistas de forma justa.
Essa decisão poderia trazer um fio de esperança para a defesa dos direitos dos artistas, porém, com o avanço tecnológico, não deve demorar muito até que exista a diferenciação entre artista e artista IA, facilitando a não compensação das pessoas por trás da arte.
Alguns cantores, como Taylor Swift (que já brigou até com o Spotify por conta disso), ainda possuem poder o suficiente na indústria para levantar a voz e se defender. Mas para a grande maioria, a única opção é aceitar os acordos da gravadora.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.